quarta-feira, 26 de março de 2014

Criando um Negocio Social - Muhammad Yunus

Meu primeiro impulso ao ler este livro foi sair correndo e iniciar um negócio social, tamanho é o entusiasmo do autor com sua própria criação do conceito.
Depois, fiquei imaginando como seria fascinante se um dos nossos grandes empresários, um daqueles que tem grande talento para ganhar dinheiro, explorar mercados e fazer fortunas, pudesse usar esses dons para empreender um negócio social, afinal de contas, na concepção de Yunos um negócio social opera da mesma forma que um negócio lucrativo, ou seja, define um mercado para atuação, traça estratégias de produtos, marketing, distribuição, preços, etc.

A diferença fundamental para Yunos, entre um negócio lucrativo e um negócio social, consiste em alguns pontos:
1. O grande propósito de um negócio social é resolver um determinado problema social.
2. Não deve gerar lucros para os proprietários ou acionistas, mas gerar um valor social para as pessoas pobres (como ele sempre se refere aos que vivem com muito poucos recursos).
3. Precisa perseguir a sustentabilidade econômica, ou seja, o resultado financeiro deve cobrir os custos e o superávit gerado deve ser empregado no fim social.
4. Aquele que investe capital financeiro num negocio social, deve receber de volta somente o que aplicou, sem correção monetária, juros ou dividendos.
5. Entende que o negócio social deve ser "ambientalmente consciente" e oferecer condições de trabalho melhor do as "usuais".

Uma questão de fundo neste livro, muito embora pouco explorada, é sobre as causas da pobreza. Segundo Yunos a "pobreza é criada pelo sistema que construímos, pelas instituições que concebemos e pelos conceitos que formulamos". Fundamentalmente, penso, ele esta nos perguntando porque sempre temos que perseguir o lucro egoísta. Ao fazer isso, nos alerta que também temos um lado altruísta e generoso enquanto humanidade, justificando esse pensamento pelas milhares de pessoas que trabalham voluntariamente, doam recursos para caridade ou assistência social, mantêm fundações, ONGs e etc.
Esse altruísmo e a crítica ao "lucro sagrado", constituem as bases para defesa do negocio social como ferramenta para eliminar a pobreza. Assim, o negócio social é alçado à condição de salvação de todas as lavouras, e não obstante o autor reconhecer timidamente outras iniciativas de ações sociais, continua apresentando o negocio social como sendo sempre mais vantajoso.

Talvez o autor tenha intencionalmente optado por escrever um guia razoavelmente prático de como se montar um negócio social. Sendo assim, é uma leitura estimulante e alentadora e, no todo, o livro pode servir de inspiração para muitas pessoas.

Se foi concebido como um guia prático, precisa ser lido com cuidado e com uma boa dose de espírito crítico. Dessa forma, nessa suposta concepção de guia prático, algumas questões são apresentadas de forma superficial e estereotipada. Não se trata, de minha parte, de uma crítica ao pensamento do autor, pois conheço-o muito pouco, mas uma alerta na forma como alguns pontos foram colocados. Destaco 2 deles:
1. Consigo concordar com autor que o capitalismo "Inventou um conto de fadas em torno da prosperidade para todos", mas dizer que este "criou a pobreza ao se concentrar exclusivamente no lucro", parece ser um grande exagero. A pobreza, em minha percepção, já existia antes do capitalismo. Podemos ponderar que o capitalismo tende à aumentar a desigualdade e explorar muitos em detrimento de poucos, dependendo das regulamentações e de muitas outras variáveis.

2. Parece ingenuidade afirmar que seria mais "fácil e eficaz" que os governos dessem "incentivos aos ricos para que resolvam os problemas sociais por iniciativa própria" ao invés de usar recursos para "apenas criar redes de segurança e outros programas públicos ineficientes". Aqui, deixo três perguntas:
a. Será que criar redes de segurança é inócuo?
b. Todos os programas públicos são ineficientes?
c. Será que teríamos um mundo muito melhor se fossemos governados somente pelos ricos e capitalistas?

Associado à essas questões tratadas de forma superficial, destaco um tom ufanista presente no livro quando Yunos fala de um "mercado de ações sociais", de um futuro museu dedicado à pobreza (já erradicada) e da poderosa ferramenta que derrotou essa pobreza, ou seja, o seu negocio social. Neste caso, sou obrigado à admitir a possibilidade de que talvez meu pensamento esteja muito embotado com os princípios do lucro e do ganho e deles não tenha me libertado de forma suficiente. Do mesmo modo, preciso ponderar que talvez o exercício de futurologia seja um boa dose de encorajamento do autor.

"Pra não dizer que não falei das flores", lembrando de Vandré, sinto que preciso fazer justiça neste texto - pelo menos aquela sob a minha concepção - e destacar que encontrei pontos de muita inspiração no livro.
1. Ao descrever como começou a se engajar com as questões sociais, afirma que sentiu o "vazio dos conceitos econômicos tradicionais diante da fome e da pobreza". É como nos sentimos em muitos momentos da vida diante da pobreza constrangedora. No caso de Yunus este foi seu chamado.

2. Considero muito nobre sua declaração de que “os pobres são pessoas plenamente equipadas com as habilidades e a inteligência necessárias para se libertarem da pobreza – desde que tenha a oportunidade de fazê-lo”. Em minha visão, essa frase bate de frente com o pensamento assistencialista.

3. Considero uma declaração de amor à vida quando afirma que "todos os que vivem neste planeta sofrem pessoalmente quando a vida de qualquer um é desperdiçada. Afinal, a vida que é desperdiçada poderia ter o potencial de crescer e se tornar o médico que salvaria a vida do meu próprio neto, ou o cientista que inventaria um dispositivo para salvar o planeta do aquecimento global, ou o artista que criaria uma magnífica obra de arte para eu desfrutar na velhice. Por que deveríamos desperdiçar essa oportunidade?”.


Para finalizar essa provisória resenha opinativa, quero destacar, que este é um livro que merece ser lido. Como todos os livro, ideias e pensamentos, precisa passar pela crítica sincera e pela prática das perguntas genuínas. É nosso elixir para a aprendizagem permanente.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Notas sobre a Teoria do Ator-Rede: Ordenamento, Estratégia, e Heterogeneidade

Autor: John Law
Tradução: Fernando Manso

Reprodução livre, em Português Brasileiro, do texto original de John Law para fins de estudo, sem vantagens pecuniárias envolvidas. Todos os direitos preservados.
Free reproduction, in Brazilian Portuguese, of John Law’s original text for study purposes. No pecuniary advantagens involved. Copyrights preserved.


Este artigo descreve a teoria ator-rede, um corpo de escritos teóricos e empíricos que trata das relações sociais, incluindo poder e organização, como efeitos de redes. A teoria é distintiva porque ela insiste que as redes são materialmente heterogêneas e argumenta que não existiria sociedade e nem organização se essas fossem simplesmente sociais. Agentes, textos, dispositivos, arquiteturas são todos gerados nas redes do social, são partes delas, e são essenciais a elas. E, num primeiro momento, tudo deveria ser analisado nos mesmos termos. Segundo esta visão, a tarefa da sociologia é caracterizar as formas pelas quais os materiais se juntam para se gerarem e para reproduzirem os padrões institucionais e organizacionais nas redes do social.

Palavras Chaves: teoria ator- rede; tradução; heterogeneidade; agenciamento; tecnologia; estratégia; ordenamento; pontualização; poder; materialismo

1. Introdução
Ocasionalmente nós nos vemos assistindo a ordens ruírem. Organizações ou sistemas que sempre assumimos como estáveis – a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ou a Illinois Continental - desaparecem. Comissários, magnatas e capitães da indústria desaparecem da vista. Esses perigosos momentos oferecem mais do que uma esperança política. Porque quando os alçapões escondidos da mola social se abrem, nós, de repente, descobrimos que os mestres do universo podem também ter os pés de barro.
Como é então que isso nunca nos pareceu diferente? Como é então que, pelo menos por uma vez, eles se constituíram diferentes de nós? Por quais meios organizacionais eles se mantiveram em seus lugares e conseguiram superar as resistências que os teriam destronado muito mais cedo? Como foi que nós participamos desta conspiração? Essas são algumas das questões chaves da ciência social. E são essas as questões que residem no núcleo da “teoria ator-rede[1]”, a abordagem sociológica que é o tópico deste artigo. Esta teoria - também conhecida como sociologia da tradução – trata da mecânica do poder. Ela sugere que deveríamos analisar os poderosos exatamente da mesma forma que quaisquer outros. Isto não significa negar que os marajás deste mundo são poderosos. Eles certamente o são. Mas significa sugerir que eles, sociologicamente, não são diferentes em espécie dos miseráveis.
Segue-se o argumento. Se nós queremos entender a mecânica do poder e da organização, é importante não começar assumindo o que queremos explicar. Por exemplo, é uma boa idéia não assumir que há um sistema macro-social, por um lado, e detalhes micro-sociais derivados, pelo outro lado. Se fizermos isso, estaremos retirando da cena as questões mais interessantes sobre as origens do poder e da organização. Ao invés disso, nós deveríamos começar com um quadro limpo. Por exemplo, podemos começar com interação e assumir que interação é tudo o que há. Podemos então perguntar como é que alguns tipos de interação conseguem se estabilizar mais, outras menos, e se reproduzir. Como é que elas conseguem superar as resistências e parecem se tornar “macro-sociais”. Como é que elas parecem produzir efeitos tais como poder, fama, tamanho, escopo ou organização, com os quais somos familiares. Este é um dos pressupostos centrais da teoria ator-rede: Napoleões não são diferentes em espécie de “hustlers” insignificantes, nem IBMs de “whelk-stalls”. E se eles são maiores, então deveríamos estar estudando como isso veio a acontecer – em outras palavras, como tamanho, poder e organização são gerados.
Nesta nota, eu começo por explorar a metáfora da rede heterogênea. Isso reside no núcleo da teoria ator-rede, e é uma forma de sugerir que a sociedade, as organizações, os agentes, e as máquinas, são todos efeitos gerados em redes de certos padrões de diversos materiais, não apenas humanos. Em seguida, eu considero a consolidação da rede, e em particular, por que é que as redes podem vir a parecer atores pontuais: dito de uma outra forma, por que é que podemos algumas vezes falar do “Governo Britânico” em vez de todas as peças que o constituem. Em seguida, examino o caráter de ordenamento da rede e argumento que isto é visto melhor como um verbo – um processo, algo incerto, de superar resistências – do que como o fait accompli de um nome. Finalmente, eu discuto os materiais e estratégias do ordenamento da rede, e descrevo alguns achados organizacionalmente relevantes da teoria ator-rede. Em particular, eu considero algumas das formas pelas quais o ordenamento da rede, segundo certos padrões, gera efeitos institucionais e organizacionais, incluindo hierarquia e poder.

2. A Sociedade como uma Rede Heterogênea
Os autores da teoria ator-rede começaram na sociologia da ciência e da tecnologia, e juntamente com outros na sociologia da ciência, eles argumentavam que o conhecimento é um produto social , e não algo produzido através da operação de um método científico privilegiado. Em particular, eles argumentavam que o “conhecimento” (mas eles generalizam de conhecimento para agentes, instituições sociais, máquinas e organizações) pode ser visto como um produto ou efeito de uma rede de materiais heterogêneos.
Eu coloquei “conhecimento” entre aspas porque o conhecimento sempre assume formas materiais. Ele aparece como uma fala, ou como uma apresentação numa conferência; ou ele aparece em artigos, livros, patentes. Ou ainda, ele aparece na forma de habilidades incorporadas em cientistas e técnicos (Latour e Woolgar, 1979). O “conhecimento”, portanto, é corporificado em várias formas materiais. Mas de onde ele vem? A resposta da teoria ator-rede é que ele é o produto final de muito trabalho no qual elementos heterogêneos – tubos de ensaio, reagentes, organismos, mãos habilidosas, microscópios eletrônicos, monitores de radiação, outros cientistas, artigos, terminais de computador, e tudo o mais – os quais gostariam de ir-se embora por suas próprias contas, são justapostos numa rede que supera suas resistências. Em resumo, o conhecimento é uma questão material, mas é também uma questão de organizar e ordenar esses materiais. Este então é o diagnóstico da ciência, na visão ator-rede: um processo de “engenharia heterogênea” no qual elementos do social, do técnico, do conceitual, e do textual são justapostos e então convertidos (ou “traduzidos”) para um conjunto de produtos científicos, igualmente heterogêneos.
Isto é o que podemos dizer sobre a ciência. Mas eu já sugeri que a ciência não é muito especial. Assim o que é verdadeiro para a ciência é também verdadeiro para outras instituições. A família, as organizações, sistemas de computador, a economia, tecnologias – toda a vida social – podem ser similarmente descritas. Todos esses são redes ordenadas de materiais heterogêneos cujas resistências foram superadas. Este então é o movimento analítico crucial feito pelos autores da teoria ator-rede: a sugestão que o social não é nada mais do que redes de certos padrões de materiais heterogêneos.
Este é um argumento radical porque ele diz que essas redes são compostas não apenas por pessoas, mas também por máquinas, animais, textos, dinheiro, arquiteturas – enfim quaisquer materiais. Portanto o argumento é que o que compõe o social não é simplesmente humano. O social é composto por todos esses materiais também. Na verdade, o argumento é que nós não teríamos uma sociedade, de modo algum, se não fosse pela heterogeneidade das redes do social. Portanto, nesta visão, a tarefa da sociologia é caracterizar estas redes em sua heterogeneidade, e explorar como é que elas são ordenadas segundo padrões para gerar efeitos tais como organizações, desigualdades e poder.
Olhe para o mundo material desta forma. Não se trata apenas de que nós comemos, achamos abrigo em nossas casas e produzimos objetos com máquinas. Trata-se também de que quase todas nossas interações com outras pessoas são mediadas através de objetos. Por exemplo, eu falo a você através de um texto, muito embora provavelmente nunca nos encontraremos. E para fazer isso, eu estou digitando num teclado de computador. Nossas comunicações com os outros são mediadas por uma rede de objetos – o computador, o papel, a imprensa. E é também mediada por redes de objetos-e-pessoas, tal como o sistema postal. O argumento é que essas várias redes participam do social. Elas o moldam. Em alguma medida, elas ajudam a superar a sua relutância em ler meu texto. E (mais crucialmente) elas são necessárias para o relacionamento social entre autor e leitor.
Vamos a um segundo exemplo. Eu estou de pé num tablado. Os alunos me olham, por trás de fileiras de carteiras, com papéis e canetas. Eles tomam notas. Eles podem me ver e me escutar. Mas eles também podem ver as transparências que eu ponho no projetor. Portanto, o projetor, assim como a forma da sala, participa da moldagem da nossa interação. Ele media a nossa comunicação, e faz isso numa forma assimétrica, amplificando o que eu digo sem dar aos estudantes muita chance de replicarem (Thompson, 1990). Num outro mundo, isto poderia, obviamente, ser diferente. Os estudantes poderiam invadir o tablado e assumir o controle do projetor. Ou poderiam, se eu desse aulas mal, simplesmente me ignorar. Mas eles não fazem isso, e uma vez que não o fazem, o projetor participa da nossa relação social: ele ajuda a definir o relacionamento professor – aluno. Ele é uma parte do social. Ele opera sobre eles para influenciar a forma pela qual eles agem.
Talvez seja apenas no fazer amor que haja interação entre corpos humanos não mediados. - embora, mesmo aqui o extra-somático também cumpra uma função. Mas o caso geral que é enfatizado pela teoria ator-rede é esse: se os seres humanos formam uma rede social, isto não é porque eles interagem com outros seres humanos. É porque eles interagem com seres humanos e muitos outros materiais também. E, exatamente como seres humanos têm suas preferências – eles preferem interagir de certas formas e não de outras – esses outros materiais que compõem as redes heterogêneas do social também têm suas preferências. Máquinas, arquiteturas, roupas, textos – todos contribuem para o ordenamento do social. E – esse é o meu ponto – se esses materiais desaparecessem também desapareceria o que às vezes chamamos de ordem social. A teoria ator-rede diz, então, que ordem é um efeito gerado por meios heterogêneos.
Nesse ponto abrem-se caminhos. Porque o argumento sobre o ordenamento material do social pode ser tratado numa forma reducionista. A versão reducionista diz que, em última análise, as relações entre as máquinas ou as relações humanas são determinantes: que uma determina a outra[2]. No entanto, embora esses reducionismos sejam diferentes, eles têm duas coisas em comum. Primeiro, eles separam o humano do técnico. Segundo, eles assumem que um determina o outro.
A teoria ator–rede não aceita este reducionismo. Ela diz que não há razão para assumir, a priori , que objetos ou pessoas determinem o caráter da mudança ou da estabilidade social, em geral. Na verdade, em casos particulares, relações sociais podem moldar máquinas, ou relações entre máquinas moldar seus correspondentes sociais. Mas isso é uma questão empírica, e usualmente as questões são mais complexas. Portanto, para usar uma frase de Langdon Winner (1980), os artefatos podem ter política sim. Mas o caráter dessas políticas, quão determinada elas são, e antes de tudo, se é possível separar pessoas e máquinas – essas são todas questões contingenciais.

3. Agenciamento como Rede
Deixe-me ser claro. A teoria ator-rede é analiticamente radical, em parte porque ela esbarra em algumas questões éticas, epistemológicas e ontológicas. Em particular, ela não celebra a idéia de que haja uma diferença em espécie entre pessoas de um lado e objetos do outro. Ela nega que pessoas sejam necessariamente especiais. Na verdade ela levanta uma questão básica sobre o que nós queremos dizer quando falamos de pessoas. Necessariamente, portanto, ela incomoda o humanismo ético e epistemológico. O que devemos fazer disso? Um ponto clarificador, e em seguida um argumento.
O ponto clarificador é o seguinte. Nós precisamos, eu acho, distinguir entre ética e sociologia. Uma pode – na verdade deve - informar a outra, mas elas não são idênticas. Dizer que não há diferença fundamental entre pessoas e objetos é uma atitude analítica, e não uma posição ética. E dizer isso não significa que tenhamos de tratar as pessoas como máquinas. Não temos que lhes negar os direitos, deveres e responsabilidades que usualmente lhes atribuímos. Na verdade, nós podemos usar essa atitude para aprofundar questões éticas sobre o caráter especial do efeito humano, como, por exemplo, em casos difíceis tais como os de vida mantida artificialmente por conta das tecnologias de tratamento intensivo.
Agora o ponto analítico. Pode ser feito de diversas maneiras. Por exemplo, eu poderia argumentar (como fizeram sociólogos tais como Woolgar, 1992 e psicólogos da tecnologia tais como Turkle, 1984) que a linha divisória entre pessoas e máquinas (ou animais, a esse respeito) é sujeita a negociação e mudanças. Assim, é facilmente mostrado que máquinas (e animais) ganham e perdem atributos tais como independência, inteligência, e responsabilidade pessoal. E, inversamente, que pessoas assumem e perdem atributos de máquinas e animais.
No entanto, eu enfatizarei o argumento de uma outra maneira dizendo que, analiticamente, o que conta como uma pessoa é um efeito produzido por uma rede de materiais interativos e heterogêneos. Trata-se do mesmo argumento que fiz a respeito do conhecimento científico e do mundo social como um todo. Mas convertido a um argumento sobre humanos ele diz que pessoas são o que são porque elas são uma rede ordenada segundo certos padrões de materiais heterogêneos. Se você me tirar o computador, meus colegas, meu escritório, meus livros, minha mesa de trabalho e meu telefone, eu não seria um sociólogo que escreve artigos, ministra aulas e produz “conhecimento”. Eu seria uma outra coisa, e o mesmo é verdade para todos nós. Portanto, a questão analítica é essa. Um agente é um agente, primariamente, porque ele ou ela habita um corpo que carrega conhecimentos, habilidades, valores e tudo o mais? Ou um agente é um agente porque ele ou ela habita um conjunto de elementos (incluindo obviamente um corpo) que se estende por uma rede de materiais, somáticos e de outros tipos, que circundam cada corpo?
A resposta de Goffmam (1968) é que apoios são importantes, mas a carreira moral do paciente mental não é redutível aos apoios. A teoria ator-rede, assim como a interação simbólica (Star 1990a, 1992), oferece uma resposta similar. Ela não nega que os seres humanos usualmente têm algo a ver com corpos (mas e o fantasma de Banquo, ou a sombra de Karl Marx?). Nem ela nega que seres humanos, assim como os pacientes descritos por Goffman, tenham uma vida interior. Mas ela insiste que agentes sociais não estão nunca localizados em corpos e somente em corpos, mas que ao contrário, um ator é uma rede de certos padrões de relações heterogêneas, ou um efeito produzido por uma tal rede. O argumento é que pensar, agir, escrever, amar, ganhar dinheiro – todos atributos que nós normalmente atribuímos aos seres humanos, são produzidos em redes que passam através do corpo e se ramificam tanto para dentro e como para além dele. Daí o termo ator-rede – um ator é também, e sempre, uma rede.
O argumento pode ser facilmente generalizado. Por exemplo, uma máquina é também uma rede heterogênea - um conjunto de papéis desempenhados por materiais técnicos mas também por componentes humanos tais como operadores, usuários, e mantenedores. Da mesma forma um texto. Todas essas são redes que participam do social. E o mesmo é verdade para organizações e instituições: essas são papéis, ordenados mais ou menos precariamente segundo certos padrões, desempenhados por pessoas, máquinas, textos, prédios, cada um dos quais pode oferecer resistência.

4. Pontualizações e “Resourcing”
Por que de vez em quando, mas apenas de vez em quando, tomamos consciência das redes que estão por trás e que constituem seja um ator, um objeto, ou uma instituição? Por exemplo, para a maioria de nós, na maior parte do tempo, a televisão é um objeto singular e coerente com relativamente poucas partes aparentes. No entanto quando ela deixa de funcionar, rapidamente, ela se torna para esse mesmo usuário – e mais ainda para o técnico de manutenção – uma rede de componentes eletrônicos e intervenções humanas. Outro exemplo, para o pequeno comerciante, o Banco de Crédito e Comércio Internacional era um local organizado e coerente para se depositar e retirar dinheiro. Agora, no entanto, e mais ainda para os investigadores da fraude, ele é uma complexa rede de transações questionáveis, na verdade criminosas. Outro exemplo, para a pessoa saudável, a maior parte do funcionamento do corpo está escondido, mesmo para a própria. No entanto, para alguém doente e mais ainda para o médico, o corpo é convertido numa complexa rede de processos e um conjunto de intervenções humanas, técnicas e farmacêuticas.
Por que essas redes que constituem os atores são apagadas ou escondidas da vista? E por que às vezes não o são? Deixe-me começar com tautologia. Cada um dos exemplos acima sugere que o aparecimento da unidade e o desaparecimento da rede tem a ver com simplificação. O argumento é o seguinte. Todos fenômenos são o efeito ou o produto de redes heterogêneas. Mas na prática nós não lidamos com essas intermináveis ramificações. Na verdade, na maior parte do tempo, nós nem mesmo estamos em posição de detectar as complexidades da rede. O que ocorre é o seguinte. Sempre que uma rede age como um único bloco, então ela desaparece, sendo substituída pela própria ação e pelo autor, aparentemente único desta ação. Ao mesmo tempo, a forma pela qual o efeito é produzido é também apagada: nas circunstâncias ela não é visível e nem relevante. Ocorre, então, que algo muito mais simples surge – uma televisão (funcionando), um banco bem administrado, ou um corpo saudável –, por um tempo, para cobrir as redes que o produziram.
Os teóricos das redes falam às vezes de tais precários efeitos simplificadores como pontualizações , e eles certamente indexam um importante aspecto das redes do social. Eu já havia dito que eu refuto uma distinção analítica entre o macro e o microsocial. Também já havia dito que alguns padrões de ordenamento de redes propagam-se mais ampla e profundamente – que eles são muito mais geralmente performados que outros. Essa é a conexão: redes cujos padrões de ordenamentos são mais amplamente performados são aquelas que mais freqüentemente podem ser pontualizadas. Isto é porque elas são redes empacotadas – rotinas -, as quais podem ser, mesmo que precariamente, consideradas mais ou menos estáveis no processo da engenharia heterogênea. Em outras palavras, elas podem ser tomadas como recursos, recursos que podem surgir numa variedade de formas: agentes, dispositivos, textos, conjuntos relativamente padronizados de relações organizacionais, tecnologias sociais, protocolos de fronteira, formas organizacionais,– qualquer um ou todos esses. Note que a engenharia heterogênea não pode estar certa que todos funcionarão conforme previsto. A pontualização é sempre precária, ela enfrenta resistência, e pode degenerar numa rede falha. Por outro lado, recursos pontualizados oferecem uma forma de se utilizar rapidamente das redes do social sem ter que se envolver com complexidades intermináveis. E na medida em que esses recursos pontualizados estão incorporados nos esforços de ordenamento, eles são então performados, reproduzidos dentro das redes do social e ramificados através delas[3].

5. Tradução: O Ordenamento Social como um Processo Precário
Eu tenho insistido que pontualização é um processo ou um efeito, e não alguma coisa que possa ser obtida de uma vez por todas. Dessa forma, a teoria ator-rede assume que a estrutura social não é um nome, mas um verbo. A estrutura não é algo separado e independente como os andaimes em torno de um prédio, mas um local de luta, um efeito relacional que se gera recursivamente e se auto-reproduz[4]. A insistência no processo tem várias implicações. Implica, por exemplo, que nenhuma versão da ordem social, nenhuma organização, nenhum agente chega a se tornar completo, autônomo, final. Posto de outra forma, independentemente dos sonhos dos ditadores e dos sociólogos normativos, não há uma coisa tal como “a ordem social”, com um único centro, ou um conjunto único de relações estáveis. Ao contrário, há ordens, no plural. E, obviamente, há resistências.
É preciso cuidado aqui, porque a teoria não é pluralista no sentido usual do termo. Ela não diz que há muitos centros de poder ou ordens, mais ou menos iguais. O que ela diz é que os efeitos de poder são gerados numa forma relacional e distribuída, e que nada está nunca completo. O que ela diz é que, para usar a linguagem da sociologia clássica, o ordenamento (e seus efeitos incluindo poder) é contestável e freqüentemente contestado. Assim, eu disse mais cedo que os humanos, assim com as máquinas, têm suas próprias preferências. Isto foi uma maneira informal de falar da resistência e do caráter polivalente do ordenamento - a forma pela qual qualquer esforço de ordenamento encontra seus limites, e luta para aceitar ou superar esses limites. Outra forma de dizer isso é notar que os elementos reunidos pro tem numa ordem estão permanentemente sujeitos a falha, e a abandonarem o conjunto por sua própria conta. Assim, a análise da luta pelo ordenamento é central à teoria ator-rede. O objeto é explorar e descrever processos locais de orquestração social, ordenamento segundo padrões, e resistência. Em resumo, o objeto é explorar o processo freqüentemente chamado de tradução o qual gera efeitos de ordenamento tais como dispositivos, agentes, instituições ou organizações. Assim “tradução” é um verbo que implica transformação e a possibilidade de equivalência, a possibilidade que uma coisa (por exemplo, um ator) possa representar outra (por exemplo, uma rede).
Isto é o núcleo da abordagem ator-rede: um interesse por como atores e organizações mobilizam, justapõem e mantêm unidos os elementos que os constituem. Como atores e organizações algumas vezes conseguem evitar que esses elementos sigam suas próprias inclinações e saiam. E como eles conseguem, como um resultado, esconder por um certo tempo o próprio processo de tradução e assim tornar uma rede de elementos heterogêneos cada qual com suas inclinações em alguma coisa que passa por um ator pontualizado.

6. As Estratégias de Tradução
Como é o trabalho de todas as redes que constituem o ator pontualizado, usurpado, subjugado, deslocado, distorcido, reconstruído, remoldado, furtado, aproveitado, e/ou deturpado para gerar os efeitos de agenciamento, organização e poder? Como são superadas as resistências? Neste ponto, a teoria ator-rede se engaja com a questão que pus no princípio: como é que nunca vimos antes que os Gorbachevs deste mundo realmente têm os pés de barro todo o tempo. Porque a teoria ator-rede é sobre poder, poder como um efeito (escondido ou deturpado), e não como um conjunto de causas. Aqui a teoria é próxima a Foulcaut (1979), mas ela não é simplesmente foulcadiana porque, evitando o sincronicidade, ela conta histórias empíricas sobre processos de tradução. Na verdade, há mais do que uma alusão a Maquiavel no método. O autor de O Príncipe é favoravelmente citado por vários teóricos ator-rede pela sua análise implacável das táticas e estratégias do poder.
Mas o que podemos dizer sobre a tradução e os métodos para superar a resistência? A teoria ator-rede quase sempre aborda suas tarefas empiricamente, e aqui não faremos uma exceção. Portanto, a conclusão empírica é que traduções são contingentes, locais e variáveis. No entanto, quatro achados mais gerais emergem:
1. O primeiro tem a ver com o fato de que alguns materiais são mais duráveis do que outros e portanto mantêm seus padrões relacionais por mais tempo. Imagine um continuum. Pensamentos são baratos mas não duram muito tempo. Discursos duram muito pouco mais. No entanto, quando começamos a performar relações – e em particular quando nós as incorporamos em materiais inanimados tais como textos ou prédios – elas podem durar mais tempo. Assim uma boa estratégia de ordenamento é incorporar um conjunto de relações em materiais duráveis. Consequentemente, uma rede relativamente estável é aquela incorporada e performada por uma faixa de materiais duráveis.
O argumento é atraente, mas não é tão simples como parece. Isto porque durabilidade é também um efeito relacional, e não algo dado na natureza das coisas. Se os materiais se comportam de formas duráveis, então isto é também um efeito interativo. As paredes podem resistir às tentativas de fuga dos prisioneiros – mas apenas enquanto haja também guardas na prisão. Dito de outra maneira, formas de material durável podem achar outros usos: seus efeitos mudam quando elas são postas em novas redes de relações. Concluindo, o argumento sobre durabilidade é atrativo e tem muito mérito, mas precisa ser usado com cuidado.
2. Se durabilidade é sobre o ordenamento no tempo, mobilidade é sobre o ordenamento no espaço. Em particular, é sobre formas de agir a distância. E dessa forma, centros e periferias também são efeitos; efeitos gerados por vigilância e controle. A afinidade com Foucault é óbvia, mas a teoria ator-rede aborda o assunto numa forma diferente. Em particular ela explora materiais e processos de comunicação – a escrita, a comunicação eletrônica, métodos de representação, sistemas bancários, e aparentes mundanidades como as rotas de comércio dos primeiros tempos modernos. Em outras palavras, ela explora as traduções que criam a possibilidade de transmitir o que Latour chamou de móveis imutáveis – cartas de crédito, ordens militares ou balas de canhão. Novamente, a ênfase é sobre os precários efeitos relacionais, mas com forte ênfase histórica, em parte influenciada pelos estudos do tipo “sistemas-construções” de historiadores da tecnologia tais como Hughes (1983), e em parte pelos Anais da escola da história materialista com sua insistência na “longue durée” (Braudel, 1975).
3. A tradução é mais efetiva se ela antecipa as respostas e reações dos materiais a serem traduzidos. Esta idéia não é nova – ela é, por exemplo, crucial para a ciência política maquiavélica, e figura como um tema central na história dos negócios (Chandler, 1977; Beniger, 1986) – embora os escritores ator-rede resistam ao funcionalismo e ao determinismo tecnológico que tende a caracterizar esta última. Ao contrário, eles tratam o que Latour chama de centros de tradução como efeitos relacionais e exploram as condições e os materiais que geram esses efeitos e superam as resistências que os dissolveriam. Seguindo o trabalho de historiadores (e.g. Ivins, 1975; Eisenstein, 1980) e antropólogos (Goody, 1977; Ong, 1982), eles consideram o relacionamento entre nível escolar, burocracia, imprensa, o desenvolvimento do livro contábil, as mais novas tecnologias eletrônicas, por um lado e a capacidade de prever resultados pelo outro. O argumento é que sob as circunstâncias relacionais adequadas tais inovações têm importantes conseqüências sobre o cálculo, o que por sua vez aumenta a robustez da rede.
Note, novamente, a observação sobre as circunstâncias relacionais. Como Weber bem entendeu, o cálculo não é um “deus ex machina”. Ele é um conjunto de métodos ou relações sociais em si próprio. Além disso ele só funciona sobre representações materiais – os produtos da vigilância que também são efeitos relacionais. Assim, conforme indiquei, sistemas de representação, de móveis imutáveis, também são precários. A analogia com o problema da representação política é direto, porque, assim como para qualquer outra forma de tradução, a representação é falível, e não pode ser antecipado se um representante falará realmente em nome (e assim mascarará) do que ele diz representar.
4. Finalmente, há uma questão de escopo do ordenamento. Eu tenho enfatizado a visão de que o escopo é local. No entanto, é possível levar-se em conta algumas estratégias de tradução gerais, as quais, assim como os discursos Foucaldianos, se ramificam através das redes e se reproduzem num conjunto de instâncias ou locais das redes. Notem que se essas estratégias existem, elas são mais ou menos implícitas, porque estratégias de cálculo explícitas só são possíveis quando já há um centro de tradução.
O que pareceriam ser tais estratégias? Novamente, isto é uma questão empírica. Mas desde que nenhum ordenamento chega nunca se completar, nós podemos esperar uma série de estratégias que coexistam e interajam. Isto é um argumento feito por vários escritores ator-rede. Assim, num estudo recente sobre gestão, eu detectei um conjunto de estratégias: “empreendimento”, “gestão”, “vocação”, e “visão” os quais operam coletivamente para gerar agentes multi-estratégicos, arranjos organizacionais, e transações inter organizacionais. Na verdade, o argumento é que uma organização pode ser vista como um conjunto de tais estratégias, que operam para gerar complexas configurações de durabilidade, mobilidade espacial, sistemas de representação e calculabilidade – configurações que tem o efeito de gerar as assimetrias centro-periferia e as hierarquias características das organizações mais formais.

7. Conclusão
Nesta nota eu descrevi a teoria ator-rede e sugeri que a teoria é uma sociologia relacional e orientada a processos a qual trata agentes, organizações, e máquinas como efeitos interativos. Eu comentei sobre algumas formas pelas quais tais efeitos são gerados, e enfatizei sua heterogeneidade, sua incerteza, e seu caráter contestável. Argumentei, em particular, que a estrutura social é melhor tratada como um verbo do que como um nome.
Como é óbvio, a abordagem tem um número de pontos comuns com outras sociologias. No entanto, seu materialismo relacional é bem distinto. Obviamente, o materialismo não é novo na sociologia. No entanto, o materialismo e as relações sociais não têm sido sempre os mais felizes dos companheiros. Nas melhores sociologias tais como o marxismo e o feminismo, eles têm interagido. Mas mesmo aí, o usual é tratá-los como se eles fossem diferentes em espécie, como um dualismo em vez de uma continuidade. No entanto, tendo em vista como a sociologia trata os dualismos, a abordagem ator-rede se apresenta com um espírito radical, porque ela não apenas apaga as divisões analíticas entre agenciamento e estrutura, e entre o macro e o micro social, mas ela também propõe tratar diferentes materiais – pessoas, máquinas, “idéias” e tudo o mais – como efeitos interativos e não como causas primitivas. A abordagem ator-rede é assim uma teoria do agenciamento, uma teoria do conhecimento, e uma teoria sobre máquinas. E, mais importante, ela diz que se nós quisermos responder às questões “como” sobre estrutura, poder e organização, deveremos explorar efeitos sociais, qualquer que seja sua forma material. Este é o argumento básico: na medida em que a “sociedade” se reproduz recursivamente, ela faz isso porque ela é materialmente heterogênea. E sociologias que não levam máquinas e arquiteturas tão a sério como as pessoas nunca resolverão o problema da reprodução.
O que tem a teoria ator rede a dizer sobre a sociologia das organizações? Uma resposta é que ela define um conjunto de questões para explorar a mecânica precária da organização. Eu disse acima que essas questões surgem em várias formas. Assim, é conveniente distinguir, por um lado, entre questões que têm a ver com os materiais da organização, e pelo outro lado, questões que têm a ver com a estratégia da organização. Assim, quando a teoria ator-rede explora o caráter de uma organização, ela o trata como um efeito ou uma conseqüência – o efeito da interação entre materiais e estratégias da organização.
Esses são, então, os tipos de questões que a teoria pergunta às organizações e aos poderosos que as dirigem. Quais são os tipos de elementos heterogêneos criados ou mobilizados e justapostos para gerar os efeitos organizacionais? Como eles são justapostos? Como são superadas as resistências? Como é, se for o caso, que a durabilidade material e a transportabilidade necessárias ao ordenamento organizacional das relações sociais são obtidos? Quais são as estratégias sendo performadas através das redes do social como uma parte do próprio? Até onde vão essas redes? Quão amplamente elas são performadas? Como elas interagem? Como é, se for o caso, que o cálculo organizacional é tentado? Como, se for o caso, são os resultados dos cálculos traduzidos em ação? Como, se for o caso, que os elementos heterogêneos que compõem a organização geram um relacionamento assimétrico entre centro e periferia? Como é, em outras palavras, que um centro pode vir a falar em nome dos esforços do que se tornou uma periferia e lucrar com esses esforços? Como é que um gerente gerencia?
Vista desta forma, organização é uma conquista, um processo, uma conseqüência, um conjunto de resistências superadas, um efeito precário. Seus componentes - as hierarquias, os arranjos organizacionais, as relações de poder, e os fluxos de informação – são as conseqüências incertas da ordenação dos materiais heterogêneos. Assim é que a teoria ator-rede analisa e desmistifica. Ela desmistifica o poder e o poderoso. Ela diz que, em última análise, não há diferença em espécie, não há grande divisão alguma entre o poderoso e o miserável. Mas em seguida ela diz que não há coisa tal como última análise. E uma vez que não há última análise, na prática há diferenças reais entre os poderosos e os miseráveis, diferenças nos métodos e materiais que eles empregam para se produzirem e reproduzirem. Nossa tarefa é estudar esses materiais e métodos, para entender como eles se realizam, e notar que poderia, e freqüentemente deveria, ser de outra maneira.

8. Agradecimentos
Eu não quis carregar o texto, e por isso incluí poucas referências à teoria ator-rede no corpo da nota. (Citações serão encontradas na nota de pé de página 1.) No entanto, a nota baseia-se num corpo grande de trabalho (substancialmente empírico) feito por uma série de autores. Eu sou grato a todos eles pelo seu suporte por mais de uma década.

Notas
[1] Esta teoria é o produto de um grupo de sociólogos associados, e em vários casos, localizados no Centro de Sociologia da Inovação da Escola Nacional Superior de Minas de Paris. Os autores associados com esta abordagem incluem Akrich (1989 a, b, 1992), Bowker (1988, 1992), Callon (1980, 1986, * 1987, 1991; Latour, 1981; Law and Rip, 1986), Cambrosio et al. (1990), Hennion (1985, 1989, 1990; Meadel, 1986, 1989), Latour (1985, * 1986, 1987, * 19881, b, 1990, * 1991a, b, 1992a, b), Law (1986a, * b, 1987, 1991a, b, 1992a, b; Bijker, 1992; Callon, (1988, * 1992), Medeal (see Hennion and Meadel), Rip (1986), and Star (1990b, 1991; * Griesener, 1989). Os itens marcados com um asterisco podem ser particularmente úteis para aqueles não familiares com a abordagem.
[2] O reducionismo maquinal é corrente no determinismo tecnológico da teoria organizacional sociotécnica. O reducismo humano é corrente em muitas sociologias – por exemplo na teoria do processo de trabalho
[3] Este é um dos lugares onde a teoria ator-rede se aproxima da sociologia das organizações; a afinidade entre este argumento e a teoria do isomorfismo institucional é evidente.
[4] A este respeito ela é similar a várias outras teorias sociais contemporâneas. Pense, por exemplo, na noção de “estruturação” de Giddens (1984), na teoria da “figuração” de Elias (1978), ou no conceito de “hábito” de Bourdieu (1989).

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O Poder da Parceria

Comecei este ano com boas leituras, e principalmente com leituras que mexem bastante com as razões e as emoções.

Um desses livros foi "O Poder da Parceria" de Riane Eisler, Editora Palas Athena. Foi indicado por Lourdes Alves, a quem remeto também publicamente meu agradecimento pela feliz lembrança.

Confesso que li este livro "brigando" com ele o tempo todo e que se fosse me deixar levar por esse incômodo não teria terminado. Ainda bem que num determinado momento me auto perguntei sobre o "que de fato estava incomodando". Fazer-me esta pergunta foi um grande estímulo para descobrir e refletir sobre coisas novas e aprender novos pontos de vista.

O Poder da Parceria é uma continuidade prática do livro anterior da autora, O Cálice e a Espada (que ainda não li). Tem muito de autobiográfico pois revela as razões pessoais que à levaram a mudar (radicalmente) a forma de viver e ver a vida.

Basicamente a autora classifica "as diferentes formas de relacionamento" em dois modelos básicos: dominação e parceria. Não se trata de uma novidade, no entanto, segundo a própria Eisler, ter um vocabulário que defina a percepção dessas formas de relacionamento, tanto ajuda manter e usar a própria percepção como fornece uma "explicação para o que está por trás" de suas diferenças.

Segundo essa concepção, no modelo de dominação "alguém tem que estar por cima e alguém por baixo" e os que estão "por cima controlam os que estão por baixo". É um aprendizado que vem desde a infância quando aprendemos a "obedecer ordens sem questionar" e que se sustentam com base no controle, culpa, medo e força. Uma das consequências mais amplas disso é conceber o mundo como sendo formado por "grupos de dentro e grupos de fora", logo, "aqueles que são diferentes são vistos como inimigos a serem conquistados ou destruídos".

Já no modelo de parceria, esta presente o apoio às "relações de respeito e cuidado mútuo", que ao prescindir das hierarquias e controles dispensa o abuso e a violência. No lugar desses comportamentos e atitudes entra a "nossa capacidade inata de sentir alegria e brincar, o que nos leva ao crescimento pleno (mental, emocional e espiritual).

Tendo por base esses dois modelos estruturantes dos relacionamentos, Eisler os aplica às diversas dimensões do relacionamento nas quais estamos inseridos e fornece dicas práticas de ações que podemos tomar. Essas dimensões (ela identifica 7) vão desde as relações conosco mesmos, passando pelas relações intimas, no trabalho e na comunidade e chegando também às relações internacionais entre países.

Este livro não pode ser classificado tipicamente como de auto ajuda, pois vai muito além das dicas de práticas, resumos, guia rápido e ações a seguir. Fornece explicações com relativa profundidade, relacionando causas e efeitos sob a ótica da dominação ou parceria.
Além disso, Eisler explora sob esse mesmo viés temas como o fundamentalismo religioso, democracia, consumo, mídia e outros. Se isso não fosse suficiente para tirar esse livro de um possível conceito típico de auto ajuda, a autora faz uma esclarecedora análise das relações de gênero e nos ajuda a quebrar os entendimentos do que estereotipicamente (como ela gosta de usar) é entendido como trabalho ou comportamento de mulher e de homem.

Considero particularmente interessante a análise que ela faz do que chamo de "economia do cuidar" e como esse conceito, estereotipicamente feminino, mas que pertence às "duas metades da humanidade", poderia mudar nossa forma de ver e atuar no mundo. Junto com isso, destaco o papel que tem as relações familiares na formação de modelos para outros relacionamentos. Se estamos em uma família onde o pai é autoridade máxima e inquestionável, tendemos a reproduzir esse padrão em outros comportamentos, ainda mais quando a imposição dessa vontade é feita por medo da violência ou da culpa.


Finalizando, para quem começou este post dizendo que brigou com o livro o tempo todo, fico agradecido à autora, à pessoa que me recomendou a leitura e à mim mesmo (fazendo comigo mesmo uma parceria), por poder recomendar que esse livro seja lido por todas as mulheres (e por todos os homens também).

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Jogando Juntos e Sozinhos

Em 2000 o cientista político norte-americano Robert Putnam publicou Bowling Alone (infelizmente até agora sem tradução para o português). Uma resenha sobre este livro está disponível neste blog em http://carloslopes1.blogspot.com.br/2012/08/bowling-alone-de-robert-putnam.html.

O título é uma metáfora para ilustrar o decréscimo do capital social nos Estados Unidos no último quarto do século 20 e seria  algo próximo à jogar futebol sozinho no Brasil.

Além da monumental quantidade de dados, Bowling Alone é rico em análises e interpretações tanto sobre as funções do capital social, sua associação com outras variáveis da vida social (saúde, educação, desigualdade, violência, etc.), assim como em estratégias para se incrementar os níveis de capital social. Segundo o Prof. Ladislau Dowbor da PUC-SP, este é um dos três livros necessários para se entender os Estados Unidos (O segundo livro para esse fim é Roosevelt e Hopkins de Robert E. Sherwood, Nova Fronteira e o terceiro eu não me lembro - assim que encontrar o Ladislau vou perguntar novamente e complemento a informação).

Já em Bowling Alone Putnam havia declarado que situações de crise, guerras ou catástrofes naturais poderiam ser catalisadores para a criação de situações capazes de incrementar os níveis de capital social. Logo após os ataques de 11 de setembro à Nova Iorque e Washington Putnam  empreende um levantamento de opinião sobre atitudes e comportamentos indicadores dos níveis de capital social.


O texto que traduzi para o português e apresento abaixo, revela que sinteticamente houve uma mudança nas atitudes, mas não nos comportamentos. Diferente da segunda guerra mundial, os americanos perderam a oportunidade de usar a crise para criar as bases para um aumento no capital social. 


Jogando Boliche Juntos*

*Publicado em The American Prospect 13, no. 3 (11 February 2002). Texto Original em: http://prospect.org/article/bowling-together-0

Autor: Robert Putnam
Ilustrações: Laurent Cilluffo
*Tradução: Carlos Lopes
* Livre reprodução para o português brasileiro do texto de Robert Putnam
 para fins de estudo  Não existe vantagem financeira
 e ficam preservados os direitos de cópia.


As últimas décadas do século XX encontraram os americanos cada vez menos conectados uns com os outros e com a vida coletiva. Nós votamos menos, nos juntamos menos, doamos menos, confiamos menos, investimos menos tempo nos assuntos públicos, e nos engajados menos com os nossos amigos, nossos vizinhos, e até mesmo com nossas famílias. O nosso "nós" seguramente ficou mais murcho.

A tragédia indescritível de 11 de setembro interrompeu drasticamente aquela tendência. Quase instantaneamente, redescobrimos os nossos amigos, nossos vizinhos, nossas instituições públicas, e nosso destino compartilhado. Quase dois anos atrás, eu escrevi no meu livro Bowling Alone, que restaurar o engajamento cívico na América "seria facilitada por uma crise nacional palpável, como uma guerra, depressão ou um desastre natural, mas, para o bem e para o mal, a América no início do novo século não enfrenta tais crises galvanizadoras".

Agora nós fizemos.

Mas o 11 de setembro é um período que coloca um ponto final a uma era e abre uma nova, com um capítulo com maior espírito comunitário em nossa história? Ou é apenas uma vírgula, uma breve pausa durante a qual olhamos para cima por um momento e depois voltamos para nossas atividades solitárias? Em suma, quanto completa e duradouramente os valores e hábitos cívicos da América foram transformado pelos ataques terroristas do outono passado?

Durante o verão e o outono de 2000, eu e meus colegas conduzimos uma pesquisa nacional sobre atitudes e comportamentos cívicos, perguntando sobre tudo, desde a votação até cantar em corais, de leitura de jornais à casamento inter-racial. Recentemente, voltamos a muitas das mesmas pessoas e propusemos as mesmas questões. Nossa pesquisa ocorreu de meados de outubro a meados de novembro de 2001, englobando a crise do anthrax e o início da guerra do Afeganistão. Emergindo do recente trauma da morte e destruição indescritíveis, esses 500 americanos estavam se ajustando a um mundo e uma nação diferentes.

Embora o efeito imediato dos ataques fosse claramente devastador, a vida pessoal da maioria dos americanos voltou ao normal de forma relativamente rápida. Por exemplo, apesar de relatos anedóticos do aumento da prática religiosa no rescaldo da tragédia, não encontramos nenhuma evidência de qualquer mudança na religiosidade ou na frequência à igreja. Nosso principal interesse, no entanto, não era com a mudança na vida privada dos americanos, mas com as implicações dos ataques e suas consequências para a vida cívica americana. E nesses domínios, encontramos prova inequívoca de mudança.

Os níveis de consciência política e engajamento são substancialmente mais elevados do que eram há um ano nos Estados Unidos. Na verdade, eles são provavelmente mais elevados agora do que foram pelo menos nas três últimas décadas. Confiança no governo e na polícia e interesse na política estão em alta. Em comparação com um ano atrás, os americanos estão um pouco mais propensos a participar de reuniões políticas ou a trabalhar em projetos comunitários. Por outro lado, estamos menos propensos a concordar que "as pessoas que dirigem minha comunidade realmente não se importam com o que eu penso". Sem dúvida, este é, em parte, o resultado de um surto de patriotismo e efeito da síndrome de "reverência à bandeira"[1] , mas também reflete uma apreciação mais ampla do papel das instituições públicas na abordagem não só do terrorismo, mas também de outras questões nacionais urgentes. O resultado? Uma explosão dramática e provavelmente sem precedentes de entusiasmo em relação ao governo federal.

Usando uma pergunta padrão ("Quanto você pode confiar no governo em Washington para fazer o que é certo, o tempo todo, na maioria das vezes, por algum tempo ou nenhuma parte do tempo?"), verificamos que 51 por cento dos nossos entrevistados expressaram maior confiança no governo federal em 2001, do que tinham feito no ano anterior. Sem dúvida, a identidade do comandante-em-chefe tem relação com o maior aumento da confiança entre os republicanos, os sulistas, e os brancos; mesmo antes do 11 de Setembro o advento de um governo republicano provavelmente já tinha mudado a polaridade partidária desta questão. Não obstante o bipartidarismo, o efeito nacional dos ataques terroristas e suas consequências é claro.

Embora tenhamos encontrado mudanças de atitudes cívicas de modo uniforme entre grupos étnicos, classes sociais e regiões, algumas mudanças foram registradas de forma mais acentuada entre os americanos mais jovens (35 anos ou menos) do que entre os mais velhos. Interesse em assuntos públicos, por exemplo, cresceu 27 por cento entre os jovens, em comparação com 8% entre os entrevistados mais velhos. Confiança nas "pessoas que dirigem sua comunidade" cresceu 19% entre os jovens, em comparação com 4% por cento entre os mais velhos.

Todavia, americanos de todas as fases de vida expressaram maior interesse nos assuntos públicos do que tinham feito durante a campanha política nacional de 2000. Este aumento na consciência política não tem, no entanto, levado a maioria dos americanos a se juntar e participar de organizações comunitárias ou para aparecer para as reuniões de clubes de encontro dos quais eles já tinham fugido. De um modo geral, as atitudes (como confiança e interesse) mudaram mais do que o comportamento. O comportamento seguirá as atitudes? É uma pergunta importante. Se a resposta for não, a floração da consciência cívica do 11 de setembro pode ser de curta duração.

Os americanos não só confiam mais nas instituições políticas: Também confiam mais uns nos outros, desde vizinhos e colegas de trabalho até vendedores de lojas e completos desconhecidos. Mais americanos agora expressam a confiança de que as pessoas em suas comunidades cooperariam, por exemplo, voluntariamente com medidas de conservação de energia ou pelo uso adequado de água. De fato, na esteira dos ataques terroristas, mais americanos relataram ter cooperado com os seus vizinhos para resolver problemas comuns. Menos de nós nos sentimos completamente isolados socialmente, no sentido de não ter a quem recorrer em uma crise pessoal. Ao mesmo tempo, estamos menos propensos a visitar mais amigos. Assistir televisão aumentou de 2,9 horas para 3,4 horas por dia. Nesse sentido, seja por medo ou por causa da recessão, os americanos estão mais enclausurados agora do que há um ano.


Nós ficamos especialmente surpresos e satisfeitos por encontrar evidências de maior confiança entre as divisões étnicas e outras. Brancos confiam mais em negros, asiáticos confiam mais em latinos, e assim por diante, mais do que essas mesmas pessoas faziam há um ano. Um padrão idêntico aparece em resposta a questões clássicas que medem a distância social: os americanos no outono de 2001 expressaram uma maior abertura mental para casamentos inter étnicos e raciais, mesmo dentro de suas próprias famílias, do que eles fizeram no ano anterior.

De fato,a confiança dos americanos em relação aos árabes é agora cerca de 10% abaixo do nível expresso em relação a outras minorias étnicas. Em anos anteriores, nós não tínhamos a necessidade de perguntar sobre a confiança em árabes-americanos, por isso não podemos ter certeza de que este dado diminuiu, mas parece provável que sim. Da mesma forma, verificamos que os americanos estão um pouco mais hostis em relação aos direitos dos imigrantes. Outras pesquisas têm mostrado que o ceticismo público sobre a imigração aumentou em 2001, mas essa tendência pode refletir a recessão, tanto quanto os ataques terroristas. No entanto, apesar dos sinais de apoio público para as técnicas de aplicação da lei antiterrorista que podem invadir as liberdades civis, a nossa pesquisa constatou que os americanos são, em alguns aspectos, mais tolerantes à diversidade cultural agora do que eram há um ano. A oposição à exclusão dos livros "impopulares" das bibliotecas públicas, na verdade passou de 64% para 71%. Em suma, com a importante, mas parcial e delimitada exceção de atitudes em relação a imigrantes e arábes-americanos, nossos resultados sugerem que os americanos sentem-se tanto mais unidos como mais confortáveis com a diversidade da nação.

Descobrimos também que os americanos tornaram-se um pouco mais generosos, embora as mudanças neste domínio são mais limitados do que os relatórios anedóticos sugeriram. Mais pessoas em 2001 do que em 2000, relataram que estão trabalhando em um projeto comunitário ou fizeram doação de dinheiro ou sangue. Voluntariado ocasional está ligeiramente mais alto , mas o voluntariado regular (pelo menos duas vezes por mês) permanece inalterado na proporção de um para cada sete americanos. Comparando com os dados imediatos à tragédia, nossos dados sugerem que a maior parte do aumento mensurável na generosidade ocorreu dentro de poucas semanas.

Quando 2001 terminou, os americanos estavam mais unidos, mais prontos para o sacrifício coletivo, e mais sintonizados com finalidades públicas do que temos sido por várias décadas. Na verdade, temos uma sensação mais ampla do "nós" maior do que tiveram na experiência adulta a maioria dos americanos que estão vivos. As imagens de sofrimento compartilhado que se seguiram aos ataques terroristas em Nova York e Washington sugeriram uma ideia poderosa de solidariedade inter classe e inter-étnica. Os americanos também foram confrontados com um claro inimigo externo, uma experiência que tanto nos aproximou quanto forneceu uma lógica para a ação pública.

No rescaldo da tragédia de setembro, uma janela de oportunidade se abriu para uma espécie de renovação cívica que ocorre apenas uma ou duas vezes por século. Ainda assim, apesar de a crise ter revelado e reabastecido os desejos de solidariedade nas comunidades americanas, esses desejos até agora permanecem inexplorados. Pelo menos, é isso que a distância entre as atitudes e o comportamento sugere. Solidariedade cívica é o que Albert Hirschman chamou de "recurso moral", distinto de recurso material, que aumenta com o uso e diminui com o desuso. Mudanças de atitude por si só, não importa o quão promissoras sejam, não constituem renovação cívica.

Americanos adultos que viveram um pouco antes e durante a Segunda Guerra Mundial foram duradouramente moldados por aquela crise. Em toda sua vida, essa geração votou mais, juntou-se mais e fez mais doações. Mas a chamada grande geração forjou não apenas disposição e símbolos, por mais importantes que eles tenham sido; mas também produziu grandes políticas nacionais e instituições (como o GI Bill) e práticas pessoais centradas na comunidade (como unidades de reciclagem e os jardins de vitória). Até agora, porém, o novo clima da América manifestou-se em grande parte por meio de próprias imagens dos ataques, por exemplo, na campanha "Eu sou um americano", que poderosamente retrata nossa sociedade e gestos multiculturais, como a visita do presidente a uma mesquita.

Imagens importam. Que poderosa lição de cidadania inclusiva teria sido transmitida se Franklin Delano Roosevelt tivesse visitado um santuário xintoísta em janeiro de 1942! Mas as imagens por si só não criam pontos de virada na história de uma nação. Isso exige mudança institucionalizada. Para ajudar a promover uma nova "grande geração," a administração Bush deveria endossar o projeto de lei oferecido pelos senadores John McCain e Evan Bayh para quintuplicar o financiamento destinado ao programa nacional de serviços da juventude do AmeriCorps. E dado que os jovens americanos estão mais abertas à participação política do que foram em muitos anos, os líderes educacionais e políticos deveriam aproveitar este momento para incentivar o envolvimento dos jovens em movimentos políticos e sociais. O movimento popular para restaurar a garantia da fidelidade nas salas de aula americanas defende um fino simbolismo, mas o momento é apropriado para também introduzir uma nova e mais ativista educação cívica em nossas escolas .

Finalmente, os ativistas devem reconhecer que a mobilização em tempo de guerra também pode desencadear o progresso para a justiça social e integração racial, tanto quanto as experiências da Segunda Guerra Mundial ajudaram a gerar o movimento dos direitos civis da década de 1950. Os Americanos hoje, nossas pesquisas sugerem, são mais abertos do que nunca para a ideia de que as pessoas de todas as origens devem ser membros plenos da nossa comunidade nacional. Os progressistas devem trabalhar para traduzir essa disposição nacional em iniciativas políticas concretas que criem pontes étnicas e entre divisões de classe em nossa sociedade cada vez mais multicultural.





[1] Tradução livre da expressão americana "rally round the flag" que implica em menor nível de critica às ações do presidente.